quinta-feira, 2 de abril de 2020

Botando pra quebrar - Fernando Sabino

 

 Botando pra quebrar        Imagem:Ecycle/google
          
Como fazer o descarte de cerâmica
                                                             

        Dona Neném viu o anúncio na televisão e se entusiasmou: duro na queda, cai sem quebrar. Não era de hoje que esse problema vinha infernizando a sua vida doméstica: pratos trincados, xícaras sem pires, sopeiras sem tampas, peças desfalcadas inutilizando o jogo inteiro. Ela própria sendo a principal desastrada, ao ensinar a nova cozinheira como lavar a louça sem quebrar uma só peça, acabava quebrando duas.
        Agora vinha aquela novidade: a louça inquebrável. Só que desta vez não era pirex, nem plástico: tinha todo o aspecto de louça de verdade.
        — O senhor garante que não quebra mesmo? — perguntou no supermercado, diante da novidade em exibição na prateleira.
        O empregado lhe estendeu um prato com um sorriso superior:
        — Se não acredita, pode experimentar.
        Dona Neném é dessas que pagam para ver: atirou no chão o prato e o prato se espatifou em mil pedaços. O homem tentou recolher o sorriso agora desapontado:
        — É porque bateu de quina.
        — Posso experimentar outro?
        Dona Neném pegou outro prato e jogou no chão, com o mesmo resultado. O homem coçava a cabeça com ar de parvo:
        — Não sei como explicar...
        — Este não bateu de quina.
        — Devia estar com defeito.
        Um senhor gordo, que se detivera para assistir à cena, afastou polidamente o empregado com o braço e se adiantou, ar suficiente:
        — Não quebram mesmo, eu conheço o produto. É que a senhora jogou assim...  — pegou um prato e ergueu-o no ar como se fosse atirá-lo com força: — Ao passo que a senhora devia ter deixado cair assim.
        Deixou delicadamente que o prato se escapasse de suas mãos. Ao bater no chão, o prato se espatifou.
        — Então, está bem, estou satisfeita — disse dona Neném, e foi saindo.
        — Espere! — saltou o homem do supermercado, ferido nos seus brios: — Eu asseguro à senhora que não quebra mesmo, quer ver?
        Deixou cair um prato, que saiu saltitando pelo chão, sem se quebrar.
        — Eu não disse? — tornou ele, mostrando os dentes, vitorioso: — É uma questão de jeito. Uma simples questão de jeito.
        — Uma simples questão de jeito — repetiu ela: — Quer dizer que para quebrar é preciso deixar cair com jeito.
        — É isso mesmo! — desafiou uma mulherzinha que se detivera junto a eles, interessada: — Com ele não quebra, mas com a gente quebra.
        — Então experimente a senhora — e o homem lhe estendeu o prato.
        — Prefiro a sopeira, se o senhor não se incomoda.
        Ela tinha cara de uma grande quebradora de louça. Pegou a sopeira e deixou cair: caco para todo lado. Estimulada pelo exemplo, uma menina desgarrou-se da mãe; passou a mão numas xícaras e atirou ao chão. Quebraram-se todas. O senhor gordo chamou-lhe a atenção:
        — Assim não, minha filha. Tem de deixar cair.
        Pegou uma pilha de pires e deixou cair. O chão se cobria de cacos de louça. A menina, entusiasmada, se servia na prateleira, atirando ao chão tudo que suas mãos alcançavam. A mulherzinha completou a obra largando no ar, delicadamente como queria o outro, a tampa da sopeira que lhe ficara nas mãos.
        — Parem! Parem! — pedia o homem, desesperado: — Assim vocês me quebram a louça inteira! Alguém vai ter que pagar por isso.
        Voltou-se para dona Neném, ameaçador:
         — A senhora vai ter que pagar. Foi quem começou.
         — Pagar, eu? Tinha graça! Devagar com a louça! Não é inquebrável? — e dona Neném botou pra quebrar, reduzindo a pedaços as últimas peças que restavam em exibição.
        A essa altura a confusão já se generalizava e o gerente acorria, mobilizando os guardas de segurança da casa:
        — Que está acontecendo? Que loucura é essa?
        O empregado tentava se explicar, nervoso, até que o gerente o fez calar-se, botando também pra quebrar:
        — Seu idiota! Cretino! Imbecil! — e apontou outra prateleira de louças: — A inquebrável é aquela! Quem vai ter que pagar é você. E está despedido.
        Voltou-se para os fregueses, procurando se conter:
        — Desculpem, ele é novo na casa... A louça não é esta, é aquela ali. São realmente inquebráveis, venham ver.
        Dona Neném se adiantou, interessada:
        — Posso experimentar?
        Sem esperar resposta, pegou um dos pratos realmente inquebráveis e deixou cair. O prato esfarelou-se no chão.
          Fonte: Livro de português: conexão e uso, 6º ano: ensino fundamental, anos finais/ Dileta Delmanto, Laiz de Carvalho. --1ªedição.--São Paulo: Saraiva, 2018.
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Perguntas 
1) O que levou Dona Neném a tomar a decisão que dá inicio à narrativa?

2) Qual foi a primeira providência dela ao chegar ao supermercado?

3) O que você achou da atitude de Dona Neném de jogar o prato no chão para testar a qualidade?

4) De que forma a atitude de Dona Neném cria  o humor do texto?

5) Explique o trecho que diz; "[...] desculpem, ele é novo na casa.... A louça não é esta, é aquela ali. São realmente inquebráveis e deixou cair. O prato esfarelou-se no chão.

6) O anúncio de televisão dizia; "Duro na queda, cai sem quebra". Depois e ter lido o texto, o que tu podes dizer sobre este anúncio?

7) Vamos conhecer o escritor Fernando Sabino? Pesquise a sua biografia. Leia algumas resenhas de seus livros.







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